segunda-feira, 23 de março de 2020

Oráculo interno.

Ao longo desses poucos anos, construí muitas Pompeias.
Carreguei muitos tijolos até os pés de vulcões que eu sabia que eram vulcões, e ergui reinos inteiros à beira do desastre. Respiro tragédia desde os 11 anos, então isso é de se esperar.
Eu já fui Pompeia e eu já fui o vulcão. Eu já fui o oráculo resignado e já fui o Vesúvio em seus sonhos. Eu sabia exatamente o que aconteceria se eu ficasse onde estava por mais um dia,
uma semana,
um mês. Dois.
E fiquei mesmo assim. Eu sabia exatamente onde estavam as minas terrestres que me lançariam aos ares, e passei por cima delas do mesmo jeito. Eu sabia. Eu nunca fui tão tola.
Mais importante do que a tolice é a forma como você protege a tolice.
E eu protegi a minha com unhas e dentes, 
mostrando minhas cicatrizes para ilustrar a Posição de Vítima na qual eu sempre acabo caindo no final do livro. Mas eu tenho alma de raposa, esperteza de corvo, espírito de lobo e olhos de floresta. Pulmões cheios de escombros poeirentos, pernas cheias de ácido lático da corrida para longe dos meus desastres, um rosto cheio de crateras e uma mente mais rápida que a luz. O que chamamos de intuição são simplesmente coisas que eu sempre soube e abafei os sons com panos quentes.
Eu sabia quando disse o primeiro sim,
sabia quando nunca perguntei se eles tinham certeza,
sabia quando eu mesma não tinha,
sabia quando os terremotos vieram e tive
finalmente certeza
quando a primeira fumaça saiu dos meus vulcões.

A graça está em não saber exatamente como isso tudo vai explodir. Está em querer desesperadamente descobrir.

(oct, 2019)

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Posso ir onde você vai?

Eu consigo imaginar 
todo tipo de vida ao seu lado
quando te vejo.
Dias grandiosos em um apartamento grande demais numa cidade grande demais, e festas chiques para as quais somos convidados. Nós dois contra o que quer que a selva de concreto arremesse.
Dias infinitamente pacíficos num chalé clássico, com um jardim na frente e uma horta aos fundos. Nós e mais dois gatos e um cachorro sentados em frente à lareira, contando nossas piores piadas um para o outro enquanto chove lá fora. As plantas estão felizes, e nós também.
Dias quentes e noites com muito vento, e nosso apartamento com janela saliente à beira da praia. Eu nunca gostei de calor e nem de areia e nem do sal no meu cabelo, mas eu sempre gostei de te ver andando pela orla às cinco horas da tarde, eternamente dourado. Você não se importa com os nós no meu cabelo no final da tarde.
Ou então... dias normais na cidade onde crescemos, no bairro da rodoviária. Nós conhecemos todas as ruas da cidade e todos os cantos um do outro. Vamos aos nossos restaurantes favoritos com nossas pessoas favoritas e nos sentamos lado a lado em toda mesa. Nós dois, redescobrindo tudo que já conhecemos; dessa vez juntos.
A verdade é que
não importa
qual tipo de vida seja o escolhido,
contanto que ele tenha você. 
(feb. 5th, 2020)

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Mesmo como sombra.

Nos meus sonhos, eu tento não te encontrar. De verdade. Mas nos meus sonhos, você ainda tem motivos para querer me ver, então você está sempre
sentado na minha cama, apreensivo
na minha garagem, relaxado
no chão do meu quarto, me entregando cartas que eu sempre esqueço de trazer junto ao acordar.
Às vezes, quando acordo no meio da noite com o coração acelerado, eu me pergunto quantas vezes eu apareci para você em sonhos. E me pergunto se você também gosta de me ver lá.
No mundo inteiramente meu dos meus sonhos, eu ouço sua voz pelos corredores de uma casa que eu quase reconheço. Você está
dando risada,
e conversando com a minha irmã,
e batendo papo numa festa,
e usando permanentemente sua camiseta vermelha, 
e você não sabe que eu estou ali enquanto eu me escondo pelos cantos e te observo de longe. Você não percebe até perceber, e aí larga tudo o que está fazendo para vir na minha direção. Eu te conto histórias, você me mostra fotos da sua nova vida longe das muralhas invisíveis da cidade que chamamos de lar e nós simplesmente
passamos madrugadas inteiras juntos.
            Até eu acordar,
     antes de conseguir dizer tchau,
            na minha cama solitária,
     lembrando da sua.
                              E aí eu sinto
                                    em todo lugar
                             a sua falta.

(jan. 3rd, 2020)

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

As mãos do destino.

"Escolhe uma cor", eu digo e você responde
Roxo.
E é nessa cor que nós aparecemos nas pinturas dos corredores da minha mente. As memórias de quadras de futebol vibrantes e o orgulho enchendo meu peito como uma taça de vinho do porto. Os 10 minutos que passamos juntos sozinhos em qualquer restaurante antes de todos os outros chegarem e a sua voz fazendo meu rosto travar no sorriso mais sincero que eu tenho.
"O que você fez nas férias?" eu te pergunto sentada à sua frente no Restaurante das Luzes perto da rodoviária. E te ouço falar, e então te conto sobre pular de parapente. E você escuta. E eu não percebo, mas isso é tudo
Roxo.
Isso é tudo um estado de pré-amor, um quase-apaixonada-por-você, uma imensidão inteira contida no fundo do meu coração.
Ainda não.
Ainda.

"Escolhe uma cor", eu digo e você responde
Fúcsia.
E nós estamos pintados dessa cor nos painéis épicos dos meus sentidos.
As tardes infinitamente quentes, sentada com as pernas esticadas quase encostando nas suas numa cadeira de madeira, e aprendendo com a nossa frustração que às vezes (só às vezes) as pessoas que me amam também sabem o que é melhor pra mim. As noites mais amenas, a cabeça leve e os pés um pouco desajeitados graças a uma bebida ou quatro, deixando a frustração de lado e te ligando, demandando a resposta para "onde é que você está?".
É a cor das noites que eu me atrevo a encostar no seu ombro - e você se atreve a apoiar a cabeça em mim - e finalmente parece que algo no mundo está certo. A cor das noites que passamos acordados um com o outro, alimentando nossa coragem com pães doces e alguns drinques demais, cada vez mais perto, cada vez mais trêmulos, cada vez mais certos. A cor dos beijos na frente de todo mundo que conhecemos, e a cor de "você não sabe quanto tempo eu esperei por isso".
Mas eu sei. Eu sei porque eu
Esperei junto.
Esperei nas horas absurdamente jovens das manhãs de quarta-feira, te contando da pior coisa que aconteceu comigo esse ano, querendo desaparecer, e você me fazendo
Rir.
E então eu fazendo minha família inteira rir por sua causa. E eu esquecendo das mensagens 3 horas atrasadas que só me fizeram sentir pior. 
Você sempre me fez esquecer das coisas que só me faziam sentir pior.
Esperei nas noites devastadoras de quinta, sentada em uma mesa de bar solitária, querendo nunca ter saído de casa, te pedindo socorro e você dizendo "desse jeito você vai sofrer demais e o mundo inteiro já viu isso" e eu resolvendo tudo
No dia seguinte.
Sei que você esperou nos dias em que eu chorava tragédias que nunca te fizeram sentido, e esperou na paciência que teve pra impedir cada lágrima.

Nós
Esperamos tempo demais
Por isso.

E agora fúcsia é a cor da minha entrega irrefreável, desse estado de certeza-de-amor, nessa ausência de dor no meu peito.
"Escolhe uma cor", eu digo. E todas as suas cores são complementares das minhas.

(dec. 25th, 2019)

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

A nova Salem.

É muito mais fácil me encontrar agora. Já não passo tanto tempo na floresta como costumava.
E ainda não consegui um gato como familiar, mas hoje em dia tenho um cachorro. Tão carinhoso quanto é possível, e é bom.
Hoje em dia me escondo a plena vista, e por isso demorou tanto para me encontrarem.
Mas me encontraram.
E vieram atrás de mim
com seus tridentes
e pedras e cruzes e ferros quentes
e coisas mais modernas,

e vieram me levar para a fogueira.

Mas este é um século diferente, e eu aprendi com as tragédias como não ser uma.

Venham com tudo
tragam os dentes afiados
as línguas pontiagudas
e os dedos pontudos.

Peguem-me se forem capazes
-não são-
e me joguem no fogo
me joguem no rio

me chamem de bruxa.

E me assistam não queimar
me assistam não me afogar

Me assistam andar sobre as chamas
caminhar sobre as águas
e façam o sinal da cruz
quando eu ressurgir dando risada.

Grite BRUXA
e todos
os meus lobos
virão.

(early 2019)

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Flor de adeus.

Essa é a última primavera que eu passo nesse lugar. 
Tenho prestado atenção nos ipês há alguns anos agora, e eles nunca perderam a graça. Rosa e amarelo são as melhores cores para decorar uma cidade como essa, um personagem principal na história da minha vida até agora. 
Então, a dos 17 é a última primavera que eu passo por aqui. E a maior. 
Só agora começo a aprender de verdade que as estações são cíclicas, assim como todo o resto. Nenhum inverno de nossas almas ultrapassa seu tempo, e os ipês sempre florirão depois das mais longas esperas congelantes. As chuvas sempre vêm. Tudo se inunda e se afoga e desaparece e então renasce. As jabuticabeiras se vestem de noivas novamente, e as flores de manga caem com o balanço dos pardais em seus galhos. 
As floradas por toda a cidade ensinam mais uma vez que é só quando nos permitimos deixar o tempo passar, e o inverno acabar, é que as coisas mais lindas brotam. E brotam aos montes; seja na forma de poiséntias nos canteiros centrais ou na forma de antigas amizades se aventurando mais fundo todas as manhãs.
Tudo flui, ao final de contas. 
Permitir a nós mesmos fluir é um presente que merecemos já há muito tempo.
(august, 2019)

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Quando vocês falam da Sabedoria.

Não sei, só não consigo deixar de pensar que se você soubesse de tudo, as coisas seriam bem diferentes.
Eu aceito tudo o que me entregam e ofereço uma reação, mas nunca mostro todos os truques que eu tenho nessa longa manga. Você pode continuar cuspindo os nomes de outras aos meus pés por toda a eternidade. Acho melhor eu te poupar dos meus.
Se você visse... se você soubesse da metade das coisas que eu desejei em silêncio e então consegui e mudei pra sempre... se você imaginasse cada coincidência. Aposto que pegaria a minha mão e pararia com todos esses joguinhos.
Você acha que é o único com segredos? O único desejado? 
Garoto, eu transformei deuses em vermes e derrubei reis dos mais belos cavalos.
Eu tenho uma coleção de corações roubados, um salão cheio de palavras bonitas e as mais intrigantes memórias de pessoas que você nunca imaginaria. 
Você realmente olha pro meu rosto e vê alguém com quem você pode brincar?
Você realmente vê Joana D'Arc e pensa 
apenas
numa santa?

(june 2019)

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

"Devo comparar-te..."

"Quem sou eu", eu pergunto ao Universo, sentado na beirada da minha cama, "perto de todas as outras?"
Ele desvia a atenção do teto e me encara nos olhos.
"Quem sou eu 
perto desse mar de vozes suaves
e pés leves
e braços limpos?
Perto da imensidão de cabelos macios 
e mentes inteligentes 
e mãos sem calos?
Perto de todos esses poços infinitos de talento 
e beleza
e charme?"
Quem sou eu se comparada a elas, e o que é que o trouxe até aqui, ao invés de ir em qualquer outra direção?
O Universo estende a mão
sempre quente
e segura as minhas,
congeladas e roxas e amarelas e tremendo.
"Por que você acha que o que tem 
o que é 
não é o suficiente?"
Desvio o olhar. 

"Algum dia já foi?"

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Absurdos insignificantes.

No final de dias como esse, nada parece ser a coisa certa a se dizer.
Olhar 8 meses para trás é assistir a vida de outra pessoa.
Eu já não ando por aí me escondendo pelos cantos e pedindo perdão por existir, cortando o cabelo por qualquer coisa e já não tento mais tão desesperadamente explicar o que eu faço para quem nunca 
                                             nunca
vai entender.
Desfiz os punhos e abri as mãos e soltei e deixei muita coisa ir embora. E muita coisa foi. E muita coisa ficou. E muita coisa voltou.
Coloquei fogo em algumas das minhas melhores pontes, e não senti vontade de cruzar muitos rios a nado. Mas outros sentiram por mim, e hoje em dia tenho oferecido toalhas aos montes na margem de cá; e tenho dado muitos suspiros aliviados ao dizer "bem vindo de volta".
Hoje em dia, não tenho vergonha das minhas feridas abertas, dos prédios desmoronados dentro de mim ou das minhas crateras homéricas. A dor é o que ela é. Eu não planejo escondê-la de ninguém; principalmente de mim mesma.
Tenho perdoado muito, mas não tudo. 574 dias agora e muito longe de encontrar perdão. 287 dias e contando e por enquanto o perdão ainda não cruzou meu caminho. E está tudo bem.
Venho tentado manter alguns nomes fora da minha boca ultimamente, porque não gosto do que acontece quando os digo. Ao invés disso, tenho voltado a experimentar alguns outros, só para descobrir se ainda têm o mesmo gosto, e meus lábios descobrem que não; estão ainda mais doces. 
Alguns dias são longos e eu choro no sofá em frente à TV porque é tudo demais, e porque eu tenho esse direito. Eu sempre tenho esse direito. 
Mas a vida tem melhorado. A névoa se dissipou, e enxergo tanta coisa agora. Eu mal preciso dos óculos. Essa escalada é óbvia até para os meus olhos míopes.
E está ficando tudo bem.
                     (em alguns dias isso me assusta).
(aug. 27th, 2019)

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Ultimato.

Era Abril, e ainda tínhamos tempo.
(gosto de pensar que não o desperdiçamos com esperas irracionais ou regras injustificadas. se quiser olhar para alguma coisa como um consolo, que seja isso.)
E eu não te contei,
mas naquele domingo, na cadeira do cinema, quando Tony Stark disse no que ele achava que seriam seus últimos momentos,
"Eu provavelmente deveria ir me deitar agora. Por favor saiba... quando eu adormecer, eu vou sonhar com você. 
Porque é sempre você."
Ele falava com a Pepper, mas
isso ressoou
nos meus ouvidos
todas as vezes em que te vi depois disso.
E talvez eu nunca mais te veja, mas
ainda
é você.
Parte da jornada é o fim, então acho que você sabe 
como é. 
Nenhuma quantia de dinheiro jamais comprou um segundo de tempo,
e gosto de pensar
que fomos ricos
de areia de ampulheta.
Mas rios de dinheiro
(ou rios de tempo)
também correm
para o mar;
para Maceió.
Ficamos por lá mesmo.
E aqui estamos.
(august 2nd, 2019)

domingo, 28 de julho de 2019

Quem como Deus?

Os drinques de morango não têm mais graça. 
Ao contrário do esperado, 
preciso ficar sóbria para lidar com isso.

Preciso deixar todo esse veneno
toda essa dor
esse luto
correrem pelas minhas veias com passagem limpa e livre, até decidirem ir embora.

Talvez você já tenha encontrado um lugar na mesa de um bar desses por aí
Com as pessoas que você não se importa de manter ao seu lado
mesmo à distância.
Você fez exceções para você:
Qualquer um;
Menos eu.
E ainda me diz 
"Isso não tem nada a ver com você"?
Guarde o fôlego.
Você pode dizer o que quiser,
eu não tenho como acreditar.

Vou pisar mais uma vez no centro de Casa
e rezar a cada passo
para que ninguém consiga enxergar através de mim.
Mas eu sou feita de celofane,
um elevador panorâmico,
barco com fundo de vidro.
Não escondo coisa alguma,
e pessoas demais adoram assistir o espetáculo que eu fiz da minha vida.
Não sei como eu virei
um lounge de embarque permanente 
um alto-falante que anuncia 24h o próximo voo para longe dos meus continentes fantasma.

Quando eu digo que não lembro
é porque não aconteceu.
Acho melhor não competirmos no Jogo da Memória.

Eu não teria me importado de perder uma noite de sono, se isso significasse que eu poderia passar as outras do seu lado.
Eu queria que você não tivesse entrado na nossa última cena com uma armadura e uma postura de guerra. Essa é uma guerra que ninguém nunca realmente ganha. 
E eu teria procurado os lugares vulneráveis de qualquer argumento, teria dito tudo o que eu já disse de outro jeito, teria te dado todas as razões, te dito que 
SÓ DEUS SABE O QUANTO EU TE AMO
Mas os motivos nunca foram aqueles para os quais eu estava preparada. 

Não pelo tempo ser circular.
Simplesmente porque eu não quero.

E eu já te contei a história do respeito antes
e o conto de como eu não vou pedir que você faça nada que não queira. 
Nem que seja me amar.
"Eu não sou feita de correntes"
quer dizer: 
sinto muito que eu tenha parecido uma gaiola. 
Tudo o que eu sempre quis
era ser um ninho.
Quer dizer:
tenho trabalhado duro para que minhas mãos não sejam algemas
na esperança que alguém as segure porque quer, 
não porque está preso.
Quer dizer:
me desculpe.
Quer dizer:
vou sentir
a sua falta.
Quer dizer:
boa sorte com tudo.
De coração.

(july 25th, 2019)